12 de março de 2014

As folhas da tília

Por Décio Cançado


Tília é o nome de uma planta, original da Austria, árvore nobre, de grande beleza, trazida por imigrantes por ocasião da 1ª guerra mundial. Há uma cidade, em Santa Catarina, com o nome de "Treze Tílias" - "Dreizehnlinden", em Alemão - fundada por Andreas Thaler; ele lhe deu esse nome baseado em um livro do poeta Wilhelm Weber, que enaltecia a árvore em suas obras.

"Havia, na minha escola, uma árvore gigante e frondosa cujos ramos cresciam ao longo do muro do pátio. O seu tronco era pequeno, mas a sua força era imensa, pois conseguia chegar ao céu. Era o que me parecia, quando a contemplava na hora do lanche para, em seguida, brincar com suas folhas. Recordo como me esticava para colher a mais bela, tão larga e verde, de tão requintado perfume que, para mim, continha em si todo um bosque. Esta foi a única árvore da minha infância, pois cresci numa rua órfã de amigos verdes. Colhia uma folha, acariciava-a por trás e pela frente, tocando a sua superfície rugosa, cheirava-a profundamente, e depois começava o ritual. Lentamente, ia despojando-a da sua carne até lhe deixar apenas as veias que sulcavam a sua enorme superfície. Faziam-me lembrar os rios e seus afluentes que iam ficando sem o verde das margens.Era a alegria de uma menina que brincava feliz sem o saber. A fragrância daquela árvore impregnava minhas mãos como uma oferenda anônima da vida que palpitava dentro dela. Cresci e nunca mais tive notícias da árvore da minha infância.


Concluí os estudos e comecei a escrever coisas muito sérias e difíceis de entender para uma criança. Dava conferências, ensinava, escrevia artigos de caráter social e conhecia muita gente. Fui pela vida sem saber que algo despertava em mim um mistério profundo, que me acompanhara desde a infância. Passei a escrever contos e poesias, até que uma amiga falou-me de uma planta, venerada pelos alemães, que crescia junto das fontes e das escolas, e que era a tília. Cantou uma canção sobre ela, cheia de saudade, e despertou em mim a curiosidade de conhecer essa árvore que inspirava tão belos sentimentos. Foi, sem dúvida, uma porta que se abriu para me mostrar a origem da magia que impregnava as minhas mãos. Um dia, ao abrir um livro sobre árvores, vi uma tília, com as folhas desenhadas em destaque. A minha memória, que permanecera adormecida, recordou a árvore que havia marcado minha infância de verde esperança. Senti um imenso amor por quem tinha sido minha companheira por um bom tempo; Fiquei mais impressionada ao ler o texto, próximo da gravura, que dizia: aquela árvore era a favorita das fadas, que nela habitavam, e deixavam impressa, em cada uma das suas folhas a fórmula mágica que iria impedir que os contos se acabassem no mundo. A criança que tocasse uma das suas folhas receberia o dom de escrever sobre as coisas sagradas deste planeta, e se nãos os escrevesse, teria que contá-las, pois a seiva havia de estimulá-la a imaginar histórias que teria de compartilhar, se não quisesse morrer de tristeza por estar tão prenhe de contos e de lendas e não poder dá-los à luz. Olhei para minhas mãos e fiquei apaixonada pelo segredo que elas continham; por ter brincado com as maravilhosas folhas da tília, tinha agora a profissão mais bonita e luminosa: descobrir a magia sagrada que impregna todas as coisas, o profundo mistério que anima a vida e escrever, depois, em forma de conto. Senti-me uma fada, porque aquela árvore mágica que crescia dentro de mim podia contar com todas as minhas forças para dar fruto. E escreveria um conto por cada uma das folhas com que brinquei.

Acredito que os contos são um dos maiores tesouros da humanidade. Eles têm-nos ajudado a viver, dando-nos forças para superar os conflitos e encontrar a luz na escuridão. Foram os canais de transmissão de uma sabedoria tão profunda que acabaram por tornar possível passar, através dos tempos, o calor da humanidade e a importância de continuarmos vivos de geração em geração. De um modo especial, os contos que nos revelam a problemática da existência, embora de forma simbólica, nos oferecem alternativas, porque hoje, mais do que nunca, temos que acreditar no poder da vida. Sabemos que as condições sociais não oferecem horizontes às novas gerações. Boa parte da juventude se destrói, absorvida pelo consumismo, a droga e a violência. E perguntamos: que acontecerá com nossos filhos, nossos alunos? Como educá-los para o mundo de hoje? A sociedade exige profundas mudanças e lança-nos importantes desafios no sentido de evoluirmos através dos grandes conflitos que surgem diariamente. A escola e a família têm de evoluir para uma educação mais consciente. É necessário que comecem a transmitir autoestima às crianças, de forma que, no futuro, possam enfrentar e transformar a realidade. É ela que permite à pessoa acreditar em si mesma e conhecer os seus recursos, a fim de ocupar o seu lugar no mundo". 

(adaptado de um texto de Rosa Badillo) 

Fonte: clicfolha.com.br

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